REZANDO COM O EVANGELHO DO DIA
(LECTIO DIVINA)
Frei Carlos Mesters, O.Carm.
1)
Ó Deus, quisestes que São
João Batista fosse o precursor do nascimento e da morte do vosso Filho; como
ele tombou na luta pela justiça e a verdade, fazei-nos também lutar
corajosamente para testemunhar a vossa palavra. Por nosso Senhor Jesus Cristo,
vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 6,17-29)
17Pois
o próprio Herodes mandara prender João e acorrentá-lo no cárcere, por causa de
Herodíades, mulher de seu irmão Filipe, com a qual ele se tinha casado.18João
tinha dito a Herodes: Não te é permitido ter a mulher de teu irmão.19Por
isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, não o conseguindo, porém.20Pois
Herodes respeitava João, sabendo que era um homem justo e santo; protegia-o e,
quando o ouvia, sentia-se embaraçado. Mas, mesmo assim, de boa mente o ouvia.21Chegou,
porém, um dia favorável em que Herodes, por ocasião do seu natalício, deu um
banquete aos grandes de sua corte, aos seus oficiais e aos principais da Galiléia.22A
filha de Herodíades apresentou-se e pôs-se a dançar, com grande satisfação de
Herodes e dos seus convivas. Disse o rei à moça: Pede-me o que quiseres, e eu
to darei.23E jurou-lhe: Tudo o que me pedires te darei, ainda que
seja a metade do meu reino.24Ela saiu e perguntou à sua mãe: Que hei
de pedir? E a mãe respondeu: A cabeça de João Batista.25Tornando
logo a entrar apressadamente à presença do rei, exprimiu-lhe seu desejo: Quero
que sem demora me dês a cabeça de João Batista.26O rei entristeceu-se;
todavia, por causa da sua promessa e dos convivas, não quis recusar.27Sem
tardar, enviou um carrasco com a ordem de trazer a cabeça de João. Ele foi,
decapitou João no cárcere,28trouxe a sua cabeça num prato e a deu à
moça, e esta a entregou à sua mãe.29Ouvindo isto, os seus discípulos
foram tomar o seu corpo e o depositaram num sepulcro.
3) Reflexão
* Hoje comemoramos o martírio de São João Batista. O evangelho
traz a descrição de como João Batista foi morto sem processo, durante um
banquete, vítima da corrupção e da prepotência de Herodes e sua corte.
* Marcos 6,17-20. A
causa da prisão e do assassinato de João.
Herodes
era um empregado do império romano. Quem mandava mesmo na Palestina, desde 63
antes de Cristo, era César, o imperador de Roma. Herodes, para não ser deposto,
procurava agradar a Roma em tudo. Insistia sobretudo numa administração
eficiente que desse lucro ao Império e a ele mesmo. A preocupação de Herodes
era a sua própria promoção e segurança. Por isso, reprimia qualquer tipo de
subversão. Ele gostava de ser chamado de benfeitor do povo, mas na realidade
era um tirano (cf. Lc 22,25). Flávio José, um escritor daquela época, informa
que o motivo da prisão de João Batista era o medo que Herodes tinha de um
levante popular. A denúncia de João Batista contra a moral depravada de Herodes
(Mc 6,18), foi a gota que fez transbordar o copo, e João foi preso.
* Marcos 6,21-29: A
trama do assassinato.
Aniversário e banquete de festa, com danças e orgias!
Era o ambiente em que os poderosos do reino se reuniam e no qual se costuravam
as alianças. A festa contava com a presença “dos grandes da corte, dos oficiais
e das pessoas importantes da Galiléia”. É nesse ambiente que se trama o
assassinato de João Batista. João, o profeta, era uma denúncia viva desse
sistema corrupto. Por isso, ele foi eliminado sob pretexto de um problema de
vingança pessoal. Tudo isto revela a fraqueza moral de Herodes. Tanto poder
acumulado na mão de um homem sem controle de si! No entusiasmo da festa e do
vinho, Herodes fez um juramento leviano a uma jovem dançarina. Supersticioso
como era, pensava que devia manter esse juramento. Para Herodes, a vida dos
súditos não valia nada. Dispunha deles como dispunha da posição das cadeiras na
sala. Marcos conta o fato tal qual e deixa às comunidades e a nós a tarefa de
tirarmos as conclusões.
* Nas
entrelinhas, o evangelho de hoje traz muitas informações sobre o tempo em que
Jesus vivia e sobre a maneira como era exercido o poder pelos poderosos da
época. Galiléia, terra de Jesus, era governada por Herodes Antipas, filho do
rei Herodes, o Grande, desde 4 antes de Cristo até 39 depois de Cristo. Ao
todo, 43 anos! Durante todo o tempo que Jesus viveu, não houve mudança de
governo na Galiléia! Herodes era dono absoluto de tudo, não prestava conta a
ninguém, fazia o que bem entendia. Prepotência, falta de ética, poder absoluto,
sem controle por parte do povo!
* Herodes
construiu uma nova capital, chamada Tiberíades. Sefforis, a antiga capital, tinha sido destruída pelos romanos em
represália contra um levante popular. Isto aconteceu quando Jesus tinha em
torno de sete anos de idade. Tiberíades,
a nova capital, foi inaugurada treze anos mais tarde, quando Jesus tinha seus
20 anos. Era chamada assim para agradar a Tibério,
o imperador de Roma. Tiberíades era um quisto estranho na Galiléia. Era lá que
viviam o rei, “os magnatas, os generais e os grandes da Galiléia” (Mc 6,21).
Era lá que moravam os donos das terras, os soldados, a polícia, os juizes
muitas vezes insensíveis (Lc 18,1-4). Para lá eram levados os impostos e o
produto do povo. Era lá que Herodes fazia suas orgias de morte (Mc 6,21-29).
Não consta nos evangelhos que Jesus tenha entrado nessa cidade.
Ao longo
daqueles 43 anos do governo de Herodes, criou-se toda uma classe de
funcionários fieis ao projeto do rei: escribas, comerciantes, donos de terras,
fiscais do mercado, publicanos ou coletores de impostos, militares, policiais,
juizes, promotores, chefes locais. A maior parte deste pessoal morava na
capital, gozando dos privilégios que Herodes oferecia, por exemplo, isenção de
impostos. Outra parte vivia nas aldeias. Em cada aldeia ou cidade havia um
grupo de pessoas que apoiavam o governo. Vários escribas e fariseus estavam
ligados ao sistema e à política do governo. Nos evangelhos, os fariseus
aparecem junto com os herodianos (Mc 3,6; 8,15; 12,13), o que reflete a aliança
que existia entre o poder religioso e poder civil. A vida do povo nas aldeias
da Galiléia era muito controlada, tanto pelo governo como pela religião. Era
necessário ter muita coragem para começar algo novo, como fizeram João e Jesus!
Era o mesmo que atrair sobre si a raiva dos privilegiados, tanto do poder
religioso como do poder civil, tanto em nível local como estadual.
4) Para um confronto pessoal
1. Conhece casos de
pessoas que morreram vítimas da corrupção e da dominação dos poderosos? E aqui
entre nós, na nossa comunidade e na igreja, há vítimas de desmando e de
autoritarismo? Dê um exemplo.
2. Superstição, covardia e corrupção marcavam o exercício
do poder de Herodes. Compare com o exercício do poder religioso e civil hoje
nos vários níveis tanto da sociedade como da Igreja.
5) Oração final
É em vós, Senhor, que procuro meu refúgio;
que minha esperança não seja para sempre confundida.
Por vossa justiça, livrai-me, libertai-me;
inclinai para mim vossos ouvidos e salvai-me. (Sl
70, 1-2)
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